Por:Dal Marcondes, da Envolverde
Na revista Carta Capital de 10 de janeiro de 2011
O país tem nome de árvore, tem a maior floresta ainda preservada do planeta, a Amazônia, mas já devastou uma das mais importantes reservas de biodiversidade já existente, a Mata Atlântica.
O principal interesse dos colonizadores portugueses ao chegar ao Brasil no século 16 foi explorar uma árvores especial, de cujo caule sai uma seiva de cor rubra e que era usada para tingir a roupagem dos cardeais. O “Pau Brasil” foi o primeiro eixo de exploração econômica das florestas. Durante três séculos foi super-explorado e quase chegou à extinção nas matas costeiras. Aliás, como consta em diversos documentos de época, a Mata Atlântica, encontrada em todo o litoral brasileiro, do Rio Grande do Sul até o Rio Grade do Norte, foi praticamente dizimada pelos novos ocupantes do país para a construção de cidades e implantação de atividades agrícolas e pecuárias, a ponto de quase não haver mais madeira para manter o ritmo de expansão da construção de casas e obras públicas.
Este cenário de devastação levou à criação da primeira legislação para coibir o uso abusivo dos recursos florestais. Em 30 de janeiro de 1802, foi baixado o Alvará de Regimento das Minas e Estabelecimentos Metálicos, o qual exigia ordem escrita da Administração das Matas e Bosques para a venda de madeiras e lenhas por particulares ou para se fazer queimadas. Em 1825 uma nova lei passou a exigir licenças para o corte do Pau Brasil, de perobas e de tapinhoãs, dando ênfase principalmente a madeiras utilizadas na construção. E, em 1843 e 1958 foram criadas leis relacionando as espécies florestais relacionando as espécies florestais que não poderiam ser exploradas sem consentimento do Estado, neste caso a Coroa Brasileira. Nasce, então, o termo “madeira de lei” para as espécies florestais mais nobres do Brasil.
Uma tentativa de consolidar as leis, normas e costumes relacionados às florestas foi feita em 1934, ainda durante o Estado Novo, quando foi aprovado o Decreto n.º 23.793, já conhecido como Código Florestal, que a história conta que não deu muito certo e entrou para os rol das “leis que não pegaram” no Brasil. Em 1965, já na vigência de uma nova ditadura no País, foi montado um “Novo Código Florestal”, que em seu primeiro capítulo define: “As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, (…), são bens de interesse comum a todos os habitantes do País…”, explicitando o valor intrínseco das florestas e vegetações nativas a não importando de seu valor comercial. Durante mais de quatro décadas essas foram as leis que definiram a relação entre o setor produtivo do agronegócio e as fronteiras florestais. Este Novo Código vai além de tratar de espécies florestais, define a Amazônia Legal, que compreende os “…Estados do Acre, Pará, Roraima, Rondônia, Amapá e Mato Grosso e regiões ao norte do paralelo 13° S, dos Estados de Tocantins e Goiás, e ao oeste do meridiano de 44° W, do Estado do Maranhão”. Abrangendo toda a chamada “Amazônia brasileira”.
No início, diga-se, muito pouco aplicado. Mas esta foi, também, a legislação que, a partir da década de 1980, passou por importantes ajustes que a modernizaram em relação às necessidades de preservação. De 1981 é a legislação que regulamentou as Áreas de Preservação Ambiental (APA),classificada para o uso direto dos recursos naturais, assim como as Florestas Nacionais, Reservas Extrativistas e as Reservas de Fauna, onde são permitidas a ocupação e exploração dos recursos naturais. Em 1989 foi finalmente qualificada a legislação sobre Área de Preservação Permanente (APP), já presente no Código de 1965, mas que ainda carecia de regulamentação. E a partir de 1998 foi regulamentada a Reserva Legal, que estabelece uma área em cada propriedade rural que deve ser preservada e seu desmatamento é considerado crime. Juntamente com o capítulo de Meio Ambiente da Constituição de 1988, estas leis se tornaram as principais garantias de preservação de biodiversidade florestal no País.
Mudar, para que mudar?
As alterações ocorridas na legislação florestal nas últimas décadas são o principal alvo das críticas feitas pelo agronegócios em relação ao Código. Praticamente sempre existiu pressões entre ruralistas e ambientalistas a favor ou contra mudanças no Código Florestal. No anetanto, este debate se acirrou a partir de 2009, quando a Câmara Federal passou a trabalhar sobre o assunto e indicou o deputado Aldo Rebelo (PcdoB-SP) para ser relator da Comissão Especial sobre o tema. Nacionalista, Rebelo alegou em seu relatório, entregue aos deputados em junho de 2010, que há “pressões de entidades ambientalistas estrangeiras para impedir o desenvolvimento do Brasil em contraposição à expansão da agricultura e da infra-estrutura do País”.
Rebelo alerta para a necessidade de ponderar sobre os interesses envolvidos na manutenção da atual legislação, que segundo seu relatório, “preserva mais os interesses econômicos de estrangeiros, do que do Brasil”, e cita o exemplo da proibição da exportação de produtos florestais e ambientais, que segundo ele poderiam gerar riquezas ao País, mas que estão sendo embargados para a geração de renda no exterior por sua substituição por insumos estrangeiros. Já boa parte dos ambientalistas brasileiros criticam a voracidade com que empresários do agronegócio avançam sobre territórios florestais para a implantação de pecuária e lavoura. “Hoje são 200 milhões de bois no Brasil e 40% disso está na Amazônia, em 20 anos, 75% de um rebanho estimado em 300 milhões estará naquela região”, diz João Meirelles, pesquisador do Instituto Peabiru e especialista em desenvolvimento da Amazônia.
A proposta defendida por Rebelo prevê a flexibilização das regras de preservação a partir de análises de cada propriedade e do tipo de ocupação consolidada. Estas análises deveriam contemplar a viabilidade econômica, ou não, para a recomposição das áreas de reservas obrigatórias, dando espaço para o não cumprimento da atual legislação. Para as Áreas de Preservação Permanente, Rebelo sugere que as restrições de uso sejam mantidas de acordo com o regime atual, salvo aquelas de atividade consolidada, que serão alteradas após o Zoneamento Ecológico-Econômico promovido na esfera de cada estado, obedecidas as exigências de estudos técnicos específicos.
Para a proteção de mata ciliar, ele prega a redução da distancia em relação aos cursos d’água, lagos e nascentes, dos atuais 30 metros para cinco metros. “A alteração pretende reduzir o prejuízo aos pequenos proprietários em cujos lotes há presença de cursos d’água de pequena largura e que dispensam matas ciliares com as larguras atuais”, explica Aldo Rebelo.
A disputa por um novo Código Florestal já mobilizou amplos setores da sociedade e tem nas organizações da sociedade civil alguns bastiões contra a flexibilização excessiva das regras. Do lado dos ruralistas a senadora Katia Abreu (DEM-TO) tornou-se a voz em defesa de regras mais favoráveis à expansão do agronegócio sobre biomas florestais. Para ela o Brasil não pode limitar sua produção agrícola sob pena de não conseguir oferecer alimentos na quantidade necessária à sua população. Argumento considerado falso por outros especialistas. O economista polonês Ignacy Sachs que passou boa parte de seus mais de 80 anos estudando o desenvolvimento da América Latina, diz que o Brasil pode ser uma “potência da bio-economia” sem desmatar mais um hectare sequer. Ele defende um zoneamento econômico-ecológico do país de forma a dar destinação produtiva aos milhares de hectares. “O Brasil é um dos países mais propícios à produção de biomassas, seja para a alimentação, como combustíveis ou para uso industrial. Isso tem de ser aproveitado como uma vantagem competitiva e não como desculpa para a destruição da biodiversidade que possibilita esse potencial”, diz Sachs.
Ainda em agosto de 2010, antes, portanto, das eleições, durante o lançamento do Movimento Empresarial pela Proteção e Uso Sustentável da Biodiversidade, em São Paulo, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, disse que pretendia elaborar uma nova proposta de alteração do Código Florestal, a ser entregue ao Congresso nacional até o final do ano. Segundo a ministra, a proposta de Aldo Rebelo prejudica compromissos assumidos pelo Brasil ante a comunidade internacional em relação à redução da emissão de gases causadores das mudanças climáticas. No entanto, esse projeto ainda não saiu das intenções. No Congresso, parlamentares ligados ao deputado Sarney Filho (PV-MA) estão se articulando em duas frentes: a primeira para impedir que o projeto apresentado pelo deputado Aldo Rebelo vá a plenário para votação ainda este ano. E a frente ruralista está pressionando os governistas com o argumento de que só vota assuntos de interesse do governo, como as leis relacionadas ao petróleo na camada pré-sal, caso o Código Florestal novo também vá a votação; Outro objetivo dos parlamentares ligados a Sarney Filho é apresentar um novo projeto, que substitua o atual, com menos flexibilização da regras sobre preservação.
A ministra Izabella Teixeira acredita que há radicalizações dos dois lados, tanto dos ruralistas, como dos ambientalistas, e que é preciso serenar os ânimos par a busca de um meio termo. “O código Florestal precisa de ajustes, no entanto, nos dois relatórios apresentados pelo deputado Aldo Rebelo não houve avanços”, diz a ministra. Para ela é preciso conciliar os interesse da sociedade e, também, viabilizar as metas defendidas pelo Brasil das conferências de Copenhague (Dinamarca), onde ficaram estabelecidos os limites de emissão de gases estufa, e de Nagoya (Japão), onde foram acordados compromissos em relação à preservação da biodiversidade.
O início do governo Dilma será marcado pela continuidade dessa disputa. Tomara que com o bom senso demonstrado pela ministra Izabella Teixeira, que defende a articulação de todos os setores interessados e afetados na construção de uma nova proposta de texto para o Código Florestal Brasileiro.
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