É Notícia!
Por Lúcio Flávio Pinto | Cartas da Amazônia – ter, 27 de nov
de 2012
O Ministério Público Federal já ajuizou 15 ações civis
públicas contra a hidrelétrica de Belo Monte, em construção no rio Xingu, no
Pará. Seus argumentos sobre a inviabilidade econômica e socioambiental do
empreendimento não parecem ter impressionado a principal instituição de fomento
do país.
Durante os próximos 30 dias, o Banco Nacional do
Desenvolvimento Econômico Social pretende liberar 19,6 bilhões para o projeto,
que já recebeu do mesmo BNDES, em duas parcelas, neste ano, R$ 2,9 bilhões. O
total do comprometimento, assim, é de R$ 22,5 bilhões. O montante representa
80% dos R$ 28,9 bilhões previstos para serem usados até tornar Belo Monte a
terceira maior hidrelétrica do mundo.
Os títulos desta transação impressionam. Trata-se do maior
empréstimo de toda história de 60 anos do banco. É três vezes maior do que a
operação que ocupava até então o primeiro lugar no ranking do BNDES, os R$ 9,7
bilhões destinados à refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. A usina do Xingu
engolirá quase todos os recursos previstos — R$ 23,5 bilhões — para a área de
infraestrutura nesse segmento, excluindo o metrô.
Os elementos de grandiosidade não param aí. Belo Monte é a
maior obra em andamento no Brasil e a joia da coroa do PAC, o Programa de
Aceleração do Crescimento, transmitido por Lula a Dilma.
Com a aprovação do empréstimo, o governo dá o recado: contra
todos os seus adversários e enfrentando atropelos pelo caminho, a enorme
hidrelétrica continuará em andamento acelerado. Quer que a primeira das 24
gigantescas turbinas comece a gerar energia em fevereiro de 2015 e a última, em
janeiro de 2019. Não por acaso, Belo Monte ganhou do governo Lula o título de
hidrelétrica estratégica, a primeira com esse tratamento no Brasil.
Principal item do Plano Decenal de Energia (2013/2022), Belo
Monte, com seus 11,2 mil megawatts nominais, contribuirá — nos cálculos
oficiais — com 33% da energia que será acrescida à capacidade brasileira de
produção durante o período da motorização das suas máquinas, entre 2015 e 2019.
Teria condições de atender à demanda de 18 milhões de residência e 60 milhões
de pessoas, ou ao consumo de toda população das regiões Sul e Nordeste somadas.
Não surpreende que o BNDES, com uma carteira de negócios desse
porte, tenha se tornado maior do que o Banco Mundial, sediado em Washington,
algo "nunca antes" inimaginável, como diria o ex-presidente Lula.
Além dos milionários recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), que
estão à sua disposição, apesar da paradoxal relação, e da sua receita própria,
o banco tem recebido crescentes aportes do tesouro nacional, uma preocupante
novidade nos últimos tempos. A opinião pública parece não atentar para a
gravidade desse fato.
Tanto dinheiro público chegou ao caixa do BNDES a pretexto
de fortalecer o capitalismo brasileiro, que agora se multinacionaliza. Um dos
focos das aplicações intensivas do banco é o controverso setor dos
frigoríficos, alçado ao topo do ranking internacional pela pesada grua
financeira estatal.
Com paquidérmicos compromissos de desencaixe de dinheiro, o
BNDES tem sido cada vez mais socorrido pelo governo federal. É o que acontece
no caso de Belo Monte. Dos R$ 22,5 bilhões aprovados para a hidrelétrica,
apenas R$ 9 bilhões são recursos próprios do banco, que não os aplicará
diretamente: R$ 7 bilhões serão repassados através da Caixa Econômica Federal e
R$ 2 bilhões por meio de um banco privado, o BTG Pactual. Os outros R$ 13,5
bilhões sairão do caixa do tesouro nacional, o que quer dizer dinheiro
arrecadado através dos impostos federais — do distinto público, portanto.
É interessante a composição dessa transação. O BNDES
recorreu às duas outras instituições financeiras, ao invés de fazer ele próprio
o negócio, sob a alegação de risco de inadimplência. Se o tomador do dinheiro,
que é a Norte Energia, controlada por fundos e empresas estatais federais, não
pagar o empréstimo, os intermediários responderão pelo calote. Naturalmente,
cobrando o suficiente (e algo mais) para se resguardarem desse risco.
Já o dinheiro do cidadão, gerido pela União, terá aplicação
direta pelo BNDES. Da nota divulgada ontem pelo banco deduz-se que esta parte
do negócio é imune à inadimplência. Provavelmente não pela inexistência de
risco, o que é impossível nesse tipo de operação. Talvez porque, se o dinheiro
não retornar, quem sofrerá será o erário, e o contribuinte, no fundo do seu
bolso.
O orçamento da hidrelétrica de Belo Monte começou com a
previsão de R$ 9 bilhões. Hoje está três vezes maior. Nem o "fator
amazônico", geralmente considerado complicador imprevisível em virtude das
condições das regiões pioneiras, de fronteira, nem a inflação ou os dados
disponíveis sobre as obras em andamento, que já absorveram quase R$ 3 bilhões
em menos de dois anos, explicam esse reajuste.
Foi assim com a hidrelétrica de Tucuruí, no rio Tocantins,
no Pará, a quarta do mundo. Ela começou a ser construída em 1975 e a primeira
das 23 turbinas entrou em atividade em 1984. O orçamento era inicialmente de
2,1 bilhões de dólares. Chegou a US$ 7,5 bilhões por cálculos extraoficiais,
numa época em que a moeda nacional estava desvalorizada. Mas talvez tenha ido
além da marca de US$ 10 bilhões.
O precedente devia estimular a opinião pública a se
acautelar, ao invés de se omitir, como se a parte mais sensível do corpo humano
já não fosse mais o bolso.
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