Em um caloroso discurso o diretor e ator Alberto Silva leu a carta/manifesto pontuando os desejos e melhorias para a área da cultura em nosso estado!
O artigo a seguir foi elaborado pelo repórte Anderson Araújo do Jornal O LIBERAL.
Belém é uma cidade de artistas. Confira aí quantos músicos,
atores, artistas plásticos, fotógrafos e gente do audiovisual você conhece. É
provável que você conte pelo menos um. Eu conheço uma porção.
Contraditoriamente, Belém é também uma cidade que não é raro
ouvir por aí "não tem nada pra fazer nessa cidade". Uma penca
reclamando de falta de programações culturais e toda uma cultura de
divertimento e distração baseada em dois verbos: sair e beber. O belenense
enche cada vez mais a cara para se desligar da rotina estressante de trabalho,
porque os bares, aos trancos e barrancos, continuam sendo um espaço minimamente
democrático de refúgio.
Mas se Belém tem tantos artistas por que não tem uma vasta
programação cultural? Por que nos últimos anos não surgiram espaços públicos
para serem efetivamente usados? Por que aqui não há programações regulares ao
ar livre como a gente vê Brasil afora, como no Parque do Ibirapuera em São
Paulo? Por que os nossos artistas, que são tantos e de boa qualidade,
dificilmente conseguem promover grandes eventos por conta própria? Por que a
periferia é estigmatizada pela violência e não pela produção de arte? É normal
que seja assim, adolescentes negros ou pardos e pobres se matando entre si?
As perguntas são muitas e poderiam ocupar todo esse post. Já
as respostas começaram a boiar ontem justo na menina dos olhos em promoção
artística do Governo do Estado, a Mostra Terruá, sintomaticamente produzida
pela Secretaria de Comunicação Social e não pela Secretaria de Cultura. Um grupo
expressivo e representativo de artistas tomou o palco do Teatro do Centur em
uma invasão histórica para meter o dedo na ferida de quem deveria estimular a
produção de cultura no Pará, mas não o faz.
As reclamações são conhecidas. Tão conhecidas que já estão
empoeiradas, já fizeram aniversário: democratizar os bens culturais e parar de
gastar dinheiro com eventos, mas sim promover a cadeia produtiva da cultura no
Estado; incluir os artistas nos órgãos que deliberam verbas para o setor;
reformular as leis de incentivo que beneficiam muito mais as empresas do que a
classe; dar acesso a espaços nobres, como os teatros, para que os artistas
possam apresentar seus trabalhos; enfim, fazer políticas culturais que sejam
para todos e não para uns poucos.
O diretor e ator Alberto Silva leu a carta tremendo de
comoção e teve um coro grande atrás com gente do naipe de Edyr Augusto, Zê
Charone, Danilo Brachi, Edmar Souza, Lívia Conduru, Adriano Barroso e tantos
outros que não estão nessa estrada há pouco tempo. São artistas que vivem da
sua arte ou equilibram seu tempo para não se afastar dela. São pessoas que tem
qualidade pelo trabalho que fazem, muitos premiados e escolhidos em editais
públicos nacionais, muitos empreendedores que tiveram que construir seus
próprios espaços para se apresentar como artistas. Não era qualquer um. Não
eram aproveitadores.
Foi um ato de coragem invadir o Terruá e invadir da forma
que foi invadido. A simpaticíssima e democrática Beth Dopazzo até ofereceu um
espaço no começo da programação para eles falarem, mas eles sabiamente fizeram
cara de paisagem, como se o assunto não fosse com eles. Era o Estado oferecendo
um naco dentro da programação oficial "para os artistas que queriam
protestar". Protesto agendado não é protesto. Quando Dopazzo achou que
estava tudo bem, a turba invadiu com suas faixas: "Chega de ópera e
Terruá: democratizar a cultura já" e "Não vou sair, tá mal aqui, mas
vai mudar".
Deram o seu recado e foram aplaudidos e complementados pela
plateia, que se sentiu à vontade para gritar inclusive "tem que acabar a
panelinha do governo". Dopazzo ao final, sem entender bem a movimentação,
falou que o Terruá é uma mostra feita através de edital público, o que é
totalmente verdade. Ficou parecendo que os manifestantes eram uns recalcados,
só pra usar uma palavra da moda.
Mas será que o protesto foi contra o Terruá?
Não foi.
Não foi porque bem ou mal a Secom está fazendo seu trabalho
e até tomando para si uma tarefa que deveria ser da Secult. O que não impede de
o Terruá ser neste
momento o melhor espaço para chamar atenção para os
problemas da cultura na cidade. O ato de subir ao palco e ler uma carta com
reivindicações, de fato, foi muito mais uma convocação aos injustiçados, aos
insatisfeitos, aos humilhados do parque e os que ficaram de fora da festa.
Quem diz que os artistas erraram o endereço do protesto não
entende nada do que está acontecendo. Não entende que esse momento é um momento
de organização e de chamar quem não concorda com o que está posto para
ingressar na horda de bárbaros formada há pelos menos 20 anos na sombra de um
Estado sem uma política pública decente. Além do mais, a Secult está tão
paralisada e letárgica que é difícil ter um evento do porte do Terruá feito por
ela onde se possa invadir. Invadir a Feira do Livro? Invadir o Festival de
ópera? São ideias, mas no momento o que se tinha era um Terruá transmitido ao
vivo. Foi invadido e se quem esteve presente no Teatro não ouviu o clamor lá
fora, depois da saíde, eu ouvi. E o clamor não apontava o secretário de Comunicação,
mas o senhor Paulo Chaves, o capo da Secult.
Apesar das divergências, da vaidade própria da função, da
falta de organização de anos, os artistas deram sim um bom exemplo de como
cobrar por melhorias a sua categoria e por extensão à sociedade como um todo.
Agora sabemos que não é um trabalho fácil, nem rápido, nem longe de tensões
entre governo do estado, prefeitura e governo federal e dentro do movimento
organizado de artistas. Um consenso sobre o que se deve ser feito com o grosso
caldo de cultura do Pará, fermentado na veia de quem dá a vida pela arte, é
necessário, mas não nascerá da noite pro dia.
Sugiro que os someliers de protesto saiam de suas cadeiras e
ajudem o pessoal indo às reuniões e às reivindicações, colocando suas ideias
pro debate. Não gostou que falem do Festival de Ópera e do Terruá? Acha que o
alvo foi errado? Vá lá debater coletivamente e abone um segundo o universo
umbiguístico que lhe cerca. É o mínimo que você pode fazer. O mínimo!
Eles convocaram uma nova reunião no Espaço Cuíra, às 17h, na
quinta-feira. Vão lá se vocês tiveram coragem e alguma disposição.
Que haja mais protestos ainda. Que a Secult, a Fumbel e o
Ministério da Cultura respondam as demandas e que Belém possa ser uma cidade
oxigenada pela única energia que ainda pode varrer esse baixo astral que
estacionou por aqui: a arte.
Pra quem estava esperando o carnaval chegar: tire a bunda da
cadeira, deixe de reclamar em mesa de bar.
O carnaval chegou.
Artigo: Anderson Araújo
Comentário e Fotos: Jorge Anderson
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