15 de agosto de 2011

Revista RollingStone: Belo Monte

Vidas Secas
Por Christiane Peres.



Leia abaixo um trecho da matéria publicada na edição 58 da Rolling Stone Brasil, nas bancas a partir de 8 de julho

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Amanhece em Altamira, cidade a sudoeste do Pará, quando a Kombi pega a estrada rumo à comunidade São Raimundo Nonato, no quilômetro 45 da rodovia Transamazônica. No local, também conhecido como Travessão da Cobra Choca, vivem 192 famílias de agricultores. Asfalto não existe, ficou a quilômetros de distância, ainda perto de Altamira. Energia elétrica também não há. O último ponto do Programa Luz para Todos, do governo federal, ficou no início do Travessão, na última grande fazenda antes de chegar à vila desses pequenos agricultores. Uma gente esquecida no tempo, só lembrada agora, quando a retomada do projeto de construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, apontou que as terras ocupadas por essas pessoas seriam alagadas. Diante do megaprojeto encabeçado pelo governo, essa comunidade luta para permanecer em sua terra.
As cortinas de chita estampadas dividem os cômodos da casa de Marizete Brasiliana dos Santos. De perto, entende-se que ali o ritmo de vida é outro - as necessidades e os desejos também. Há fartura na mesa, apesar da simplicidade da morada. No cardápio do almoço, arroz, feijão, legumes cozidos, frango caipira, carne de panela, macarrão e salada de alface, recém-colhida da horta da família. Nessa hora, Marizete desabafa: "Eles pensam que trazer essa usina é desenvolvimento. Pra gente, não é. Em vez disso, deviam construir um posto de saúde aqui na comunidade, trazer escolas para os nossos filhos. Mas isso eles não fazem", contesta. "A gente tem medo de pensar que pode ficar sem nada quando essa obra sair. Na cidade é preciso comprar tudo. Sem emprego, vamos viver como lá?"
Belo Monte é uma das mais imponentes e questionadas obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Será a segunda maior hidrelétrica brasileira, somente atrás da binacional Itaipu, construída no rio Paraná, na fronteira do Brasil com o Paraguai. Em estudo desde a década de 70, ainda durante o período da ditadura militar, o projeto de Kararaô - antigo nome de Belo Monte - foi alterado e reprovado diversas vezes. Ironicamente, foi durante o governo petista de Luiz Inácio Lula da Silva, que ainda reunia boa parte da vanguarda ambientalista do país, que o novo projeto da usina foi aprovado, em fevereiro de 2010. Com a urgência pré-eleitoral que levou Dilma Rousseff ao poder, o governo passou por cima dos direitos das comunidades atingidas e relegou ao segundo plano o debate sobre a sustentabilidade do empreendimento. A usina de Belo Monte, vendida como a salvação do Brasil em geração de energia, é motivo de críticas de vários setores e protagoniza um dos processos mais antidemocráticos desde os tempos do regime militar.
Os otimistas afirmam que o empreendimento terá capacidade para gerar 11,2 mil megawatts de energia, mas estudos relacionados à obra mostram que Belo Monte jamais irá operar com essa potência. A energia média assegurada é de 4,5 mil megawatts e, em tempos de seca, a geração poderia ficar abaixo de mil. Para os críticos da obra, o custo-benefício não compensa, mas o governo e a Norte Energia - consórcio vencedor do leilão da usina - contestam. "O sistema brasileiro de hidrelétricas é invejado no mundo inteiro e não é besta de construir uma usina que não tenha viabilidade econômica", pondera Luiz Fernando Rufato, diretor de construção do consórcio.
Assim como Marizete, calcula-se que mais de 30 mil pessoas sofrerão com as incertezas relacionadas à megausina. Vando Tavares é dono de um pequeno ponto comercial na comunidade São Raimundo Nonato. Morador da região há 22 anos, ele sempre ouviu os boatos sobre a construção. Há até pouco tempo, aliás, era o único morador do Travessão da Cobra Choca a favor da usina, mas a difícil negociação com os representantes do consórcio vencedor alterou a opinião do comerciante. "Ainda não sou totalmente contra, porque a gente precisa de energia, não é?", diz. "Mas ninguém nos diz para onde seremos levados, quanto vamos receber pelas terras. Além do comércio, vivo da pecuária e também plantei uns oito mil pés de cacau, que daqui a pouco vão começar a dar."
Junto ao gado, o cacau é uma das principais fontes de renda da população dos arredores da Transamazônica. Os 15 municípios da região são responsáveis por 80% da produção do Pará. Em 2009, por exemplo, o estado produziu 56 mil toneladas da amêndoa; dessas, 45 mil toneladas saíram das terras de sete mil famílias que vivem na região da Transamazônica. Em volume, a produção paraense só fica atrás da Bahia.
De acordo com Paulo Henrique Fernandes, coordenador regional da Ceplac (Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira), entidade ligada ao Ministério da Agricultura, um pé de cacau vive, em média, 40 anos. Após cinco anos da plantação, começa a dar o fruto, que rende a amêndoa seca vendida na cidade e também para o exterior. "O cacau da nossa região sustenta diversas famílias. Tem muito produtor que sentirá o impacto da construção de Belo Monte, pois vai perder seu ganha-pão", afirma Fernandes. O valor de venda depende da qualidade da amêndoa seca, mas os agricultores conseguem, no mínimo, R$ 5 pelo quilo. "Se uma família tem três mil pés, pode tirar até dois salários mínimos por mês, porque o cacau dá o ano inteiro. Nem o boi rende isso aqui", complementa José Aparecido de Souza Santos, presidente da Agrivox (Associação dos Agricultores da Volta Grande do Xingu).

*Você lê esta matéria na íntegra na edição 58.

Fonte: http://www.rollingstone.com.br/edicoes/58/textos/4723/

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