"Joel Cardoso, pesquisador sobre as Poéticas da
Modernidade (com ênfase nas relações criadas entre palavra e imagem (ex: Teatro
e Cinema), Pós-Doutor em Artes (Cinema e Literatura) e Doutor em Letras
(Literatura Brasileira e Intersemiótica), escreve critíca sobre o espetáculo Nó
de 4 Pernas."
Foto: Cássio França
Ontem, 6 de setembro, a convite de Bene Martins, amiga de
priscas eras, companheira de jornadas acadêmicas e de vida, fui assistir à peça
"Nó de 4 pernas". Tive a grata satisfação, ainda, de estar na
companhia de Luiz Guilherme e Dani Pimentel, amigos diletos. A peça, baseada em
obra do veterano Nazareno Tourinho, comemorando os seus 50 anos de publicação,
na realidade, 51, ganha agora as luzes dos refletores sob a direção de Alyne
Goes e Enoque Paulino.
No palco, um sacristão e uma beata, um padre - ainda muito
jovem - recém-chegado à paróquia; um sacristão e uma beata (ele, esgueirando-se
e se escondendo por detrás de uma falsa castidade; ela, viúva e carente, em
estado de ebulição); um prefeito e a sua primeira dama (exemplos em que se
alternam lances de oportunismo e hipocrisia social); uma prostituta e um
operário. Pronto! Eis aí um cenário para fazer girar uma trama minuciosamente
armada, como um quebra cabeça em que as peças, pouco a pouco, vão se
encaixando, formando um divertido mas não menos delicioso painel social. Eis,
pois, um tripé em que se espreitam posturas políticas (quase sempre escusos),
interesses sociais (em que se revesam apetites sexuais proibidos e
reivindicações cidadãs, com direito à menção à greve, inclusive) e, permeando
todo esse embrulho, o sexo (reprimido ou descaradamente expresso). O texto é
primoroso, com algumas tiradas geniais. Os resultados obtidos no palco são
fantásticos. Retornando aos primórdios do nosso teatro autenticamente
brasileiro, nos moldes de Martins Pena, mas um Martins Pena, renovado,
provocador, a peça, com humor ágil e inteligente, a peça traz para a cena
alguns elementos muito atuais do cenário brasileiro. Referimo-nos às
estratégias políticas (nem sempre politicamente corretas), às preocupações
religiosas (remontando a uma teologia libertária). Os fins justificam os meios.
No final, em meio aos sustos, tudo termina bem.
A representação proposta deliberadamente para a
caracterização das personagens, viabilizada pela interpretação dos atores
(marcante, forte, precisa), oscila entre o sério e o cômico, evidenciando, por
vezes, uma caricatura acentuada. Interpretar é isso: caracterizar, estar no
lugar de... convencer como tipo, como pessoa... conferir identidade,
autenticidade... Embora a
personagem do padre detenha a maior parte das falas (mérito
para o ator que, mesmo com o excesso de texto se sai muito bem) quem rouba a
cena é, indubitavelmente, o sacristão (em caracterização primorosa).
O espetáculo, com duas horas de duração, intersemioticamente
transita entre diversas linguagens, pondo, separando dos atos, em cenas em
vídeo, cujo objetivo é, com imagens significativas, mostrar uma outra dimensão
social da trama relatada. A música, especialmente composta para a apresentação,
é bela e pontua a narração brilhantemente. Enfim, é um espetáculo imperdível.
Recomendo!...
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